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O plano de Lula (PT) para a Reforma Tributária

O plano de Lula (PT) para a Reforma Tributária

Nas eleições 2022, o Pra Ser Justo analisou as propostas dos quatros principais candidatos e candidatas à Presidência da República para a tributação do consumo

Reforma Tributária: a base para um novo Brasil  

Nas eleições de 2022, defendemos que candidatas e candidatos que estão comprometidos com a construção do futuro do país devem estar também comprometidos com a reforma e a consolidação da sua base, o sistema tributário.

Em meio a problemas sistêmicos e estruturais que assolam o Brasil e o mundo, as eleitoras e os eleitores afirmam que a prioridade do próximo ou da próxima Presidente da República deve ser investir em educação, gerar empregos, mais saúde, mais segurança e combater a corrupção. 

A base que sustenta todas essas políticas econômicas e sociais é o sistema tributário. É ele que sustenta o desenvolvimento da economia, a geração de investimentos e empregos. É ele que dá capacidade para o governo investir em políticas públicas e combater a pobreza e a desigualdade.

Se o sistema tributário é base para o projeto do país, o Brasil está estabelecido sob alicerces frágeis. Hoje, o principal componente dessa base é a tributação sobre o consumo. De um lado, ela representa 44% de tudo que é arrecadado para investimento público, de outro, é injusta e complexa. Para a população mais pobre, essa tributação onera 26% de todo o orçamento familiar, enquanto para os mais ricos, apenas 10% (IPEA). Para as empresas, ela é considerada a mais burocrática e cara do mundo, entre 141 países (Fórum Econômico Mundial).

Isso agrava instabilidades existentes no país e põe em risco todas as políticas e programas que forem, sobre ela, firmadas. 

Por que precisamos de uma reforma tributária? Acesse a Agenda Eleições 2022 do Pra Ser Justo

 

A importância do plano de governo 

Em toda eleição, candidatas e candidatos à presidência apresentam suas ideias no plano de governo, um documento obrigatório enviado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Além disso, novos pontos podem ser incluídos em suas propostas durante a campanha eleitoral

Apesar de não serem obrigados a implementar os programas dos seus planos, as políticas descritas e seus posicionamentos representam um compromisso com o país, ficando à disposição da sociedade para cobrar, sempre que necessário, a pessoa eleita.

O Pra Ser Justo avaliou as propostas para a tributação do consumo dos programas de governo e falas das quatro candidaturas que, até a data de publicação deste texto (18/10), estavam melhor posicionadas nos agregadores de pesquisas eleitorais do Estadão e UOL. Apesar de todas as bases tributárias (consumo, renda, folha e propriedade) precisarem passar por profundas mudanças, a tributação sobre o consumo tem o debate mais avançado e maduro. Verificamos a menção de propostas para o sistema tributário e, quando aprofundadas, se endereçam os seus principais problemas, com referência nos sete pontos mínimos defendidos pelo Pra Ser Justo para uma boa reforma tributária sobre o consumo.

Veja os sete pontos mínimos para uma boa reforma tributária

 

O que Lula (PT) propõe para o sistema tributário

O programa da coligação “Brasil da Esperança”, do candidato Lula da Silva (PT), propõe uma ampla reforma tributária no eixo “Desenvolvimento econômico e sustentabilidade socioambiental e climática”:

“Proporemos uma reforma tributária solidária, justa e sustentável, que simplifique tributos e que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais. Essa reforma será construída na perspectiva do desenvolvimento, “simplificando” e reduzindo a tributação do consumo, corrigindo a injustiça tributária ao garantir a progressividade tributária, preservando o financiamento do Estado de bem estar social, restaurando o equilíbrio federativo, contemplando a transição para uma economia ecologicamente sustentável e aperfeiçoando a tributação sobre o comércio internacional (…)”

— Coligação Brasil da Esperança 

Ainda, o programa menciona a intenção de uma reforma no imposto de renda (IR), procurando corrigir as desigualdades que existem nessa base. Apesar do texto não detalhar este ponto, a campanha tem dado destaque à intenção de isentar do imposto as pessoas físicas que recebem até R$ 5 mil mensais e instituir a tributação de lucros e dividendos, como forma de compensar a isenção. As propostas foram apresentadas nos programas eleitorais de televisão e por Lula no debate da TV Bandeirantes em 16 de outubro. Segundo Guilherme Mello, assessor econômico da campanha, a proposta também incluirá a criação de alíquotas para rendas elevadas, além de revisões na tributação de heranças.

Em seus posicionamentos, Lula menciona a reforma tributária sobre o consumo, mas  relembra os desafios políticos enfrentados no Congresso Nacional com as PECs 41/2003, enviada pelo governo no primeiro mandato, e 233/2008, enviada no segundo mandato, que propunham a implementação do IVA:

“Mandamos duas propostas de reforma tributária, que foram aprovadas pelos 27 governadores, por entidades empresariais e sindicatos. No Congresso ela simplesmente não andou, porque não quiseram que ela andasse. E precisamos discutir reforma tributária (…)”. 

— Lula em seu site oficial 

O candidato também mencionou a intenção de propor novamente uma rodada de negociações para o tema: 

“Convidar empresários, trabalhadores, políticos e tentar fazer uma proposta de política tributária definitiva, onde o rico paga um pouco mais e o pobre paga um pouco menos. A proposta pode ser um IVA, diminuir a quantidade de impostos, a burocratização e pagar sobre lucros e dividendos (…)”

Lula em entrevista ao Uol

Apesar dos posicionamentos favoráveis, algumas falas merecem atenção. Em reunião na Fiesp, o candidato mencionou a possibilidade de propor mudanças menores através de um fatiamento da reforma — mas não se sabe se essa seria uma divisão dentro da reforma do consumo ou entre a reforma do consumo e da renda. Membros da campanha, como Wellington Dias (PT/PI), Aloizio Mercadante (PT/SP), Guilherme Mello (FPA/Unicamp) e Bruno Moretti (PT/Senado), mencionaram que a PEC 110, proposta de reforma ampla no Senado, pode ser o ponto de partida para as discussões em 2023.

Em setembro, a campanha fez uma fala inédita quanto ao nível de priorização da proposta. Em evento do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Geraldo Alckmin (PSB), candidato a vice-presidente de Lula, afirmou que a PEC 110 está madura para ser aprovada, prometendo que o governo implementará a reforma tributária nos primeiros seis meses de 2023. Em outra oportunidade, disse:

“Reforma tributária é a reforma que pode impulsionar o PIB, e ela está madura. Tem dois bons projetos no Congresso Nacional que foram extremamente discutidos. (…) No primeiro ano, mais especificamente no primeiro semestre, o governo tem uma possibilidade enorme de fazer valer os seus projetos, as suas propostas. Reforma tributária é essencial. Ela simplifica: você junta IPI, ICMS, ISS, PIS, Cofins e CSLL em um IVA (…)”. 

— Geraldo Alckmin em entrevista à TV Gazeta

Desde a primeira menção, a defesa pela reforma tributária foi incorporada ao discurso de Alckmin e tem sido repetida de forma recorrente. Segundo o Estadão, a negociação do eventual governo Lula com os estados para implementar o IVA poderia envolver, além de outros mecanismos, compensações por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs) nas áreas de infraestrutura e logística.

A análise do Pra Ser Justo 

Consideramos positivo que membros da campanha prometam avançar com a PEC 110 em 2023. A proposta contém pontos essenciais para uma boa reforma tributária sobre o consumo e os consensos necessários para a aprovação.

Porém, o programa apresentado ao TSE ainda é sucinto em relação à tributação do consumo, não havendo menção ao Imposto sobre Valor Agregado.

Os posicionamentos distintos adotados ao longo da campanha também geram dúvidas se a tributação do consumo terá prioridade menor que outros temas durante o governo, como o imposto de renda (IR), ou ainda terá uma estratégia de fatiamento da tributação do consumo, em linha com a tentativa adotada durante o governo Bolsonaro, que não angariou apoio e se mostrou insuficiente para resolver os problemas do sistema tributário.

Presidente da República por dois mandatos entre 2003 e 2010, Lula tem uma trajetória de apoio à reforma tributária sobre o consumo. A PEC 41/2003, que propunha o IVA, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em setembro de 2003, mas não avançou no Senado. Em 2008, o governo Lula enviou outra proposta para implementar o tributo: a PEC 233/2008, apensada à PEC 31/2007. Ela foi aprovada pela comissão especial em novembro do mesmo ano, mas nunca foi votada no plenário da Câmara dos Deputados.

Em ambos os casos, o governo enfrentou dificuldades com setores econômicos e entes federativos, em uma época em que não havia os acordos e a maturidade do debate que existe hoje. Nesse mesmo contexto, há quem afirme que um maior empenho e apoio do governo Lula para a aprovação da reforma tributária poderia ter sido decisivo para o seu avanço.

As experiências internacionais mostram que a reforma tributária em federações, como o Brasil, são processos longos e comuns (Endeavor). Austrália e Índia, por exemplo, são duas federações que iniciaram em 1970 as discussões sobre a adoção do imposto sobre bens e serviços (IBS), para realizarem suas reformas em 1999 e 2017, respectivamente. Nesse meio tempo, tentativas frustradas de reforma ocorreram até que o debate avançou, amadureceu e, com o apoio do Poder Executivo, a mudança finalmente aconteceu. Esse tempo de amadurecimento chegou para o Brasil.

A PEC 110, em tramitação no Senado, atingiu um nível de consenso histórico — recebeu apoio dos representantes dos entes federativos[1], setores econômicos[2], Fiscos[3], sociedade civil[4] e economistas[5]. No entanto, teve baixo engajamento por parte do atual governo federal — apoio essencial para garantir que as novas bases do sistema tributário sejam construídas. Um eventual governo Lula, portanto, teria a oportunidade de aprovar a proposta para concluir este esforço que foi iniciado ainda em 2003.

 

 

Nossa sugestão para o programa de Lula

Em linha com os recentes posicionamentos de Geraldo Alckmin, Lula também tem a oportunidade de se comprometer com a aprovação da PEC 110 nos primeiros seis meses do seu governo, uma vez que a proposta apresenta condições políticas mais favoráveis do que aquelas apresentadas durante seus dois governos anteriores.

Também pesa para Lula o fato de que a terceira e o quarto colocado no primeiro turno das eleições à Presidência da República, Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), firmaram compromisso com a reforma tributária sobre o consumo durante suas campanhas.  Durante o segundo turno, ambos declararam apoio ao ex-presidente.

Por isso, uma vez que as menções do candidato e dos membros de campanha indicam a intenção de propor uma ampla reforma tributária sobre o consumo, o programa também pode ser mais aprofundado sobre este ponto.

Primeiramente, o eixo “Desenvolvimento econômico e sustentabilidade socioambiental e climática” deve ser mais específico em relação à tributação do consumo, mencionando a unificação dos tributos federais, estaduais e municipais sobre o consumo em um tributo sobre valor agregado de base ampla.

Segundo, o programa pode ressaltar as características virtuosas da reforma tributária sobre o consumo em combater desigualdades sociais e regionais, em linha com os objetivos que são perseguidos com a reforma na tributação da renda. Uma delas é a previsão do mecanismo de devolução dos tributos para pessoas de menor renda, chamado IBS-Personalizado (IBS-P).

Este modelo corrige as distorções dos benefícios fiscais concedidos a produtos e complementa os programas de distribuição de renda, que são intenções do programa do candidato. O mecanismo devolve o tributo pago diretamente para as famílias mais pobres e tem o potencial de beneficiar 72 milhões das pessoas mais pobres do país, sendo 72% dos beneficiários pessoas negras e 57% mulheres, e reduz a desigualdade, medida pelo índice Gini, em 3,2%.

Como a devolução de impostos pode ajudar a reduzir a desigualdade no Brasil? Impactos econômicos e sociais do IBS-Personalizado

Por fim, outra característica do IBS ainda não mencionada no programa e pelo candidato é o princípio do destino, uma das grandes vantagens do imposto sobre valor agregado. Hoje, o sistema tributário funciona com a arrecadação na origem, ou seja, onde as empresas produzem, e não onde as pessoas consomem, concentrando os recursos em locais economicamente mais desenvolvidos. 

Com o IBS, seria adotado o princípio do destino, ou seja, o recolhimento dos tributos ocorrerá no local de consumo. Dessa forma, prevê-se que 87% das cidades brasileiras tenham mais recursos e que a desigualdade de arrecadação caia de 202 para 20 vezes entre o local com maior e menor arrecadação de ICMS e ISS no país (IPEA). Além disso, o princípio do destino põe fim à guerra fiscal — a disputa pela atração de empresas pela redução de tributos — que hoje penaliza estados e municípios mais pobres, e é um dos principais motivos pelos quais os entes federativos, hoje, apoiam a reforma tributária.  

 

Notas

[1] Entes federativos: Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do DF (Comsefaz) e Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

[2] Setores econômicos: Confederação Nacional da Indústria (CNI), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil).

[3] Fiscos: Anfip, Febrafisco, Febrafite, Fenafisco, Fenafim, Sindireceita, Sindifisco Nacional e Unafisco Nacional.

[4] Sociedade civil: Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), Centro de Liderança Pública (CLP), Movimento Destrava Brasil e Movimento Pra Ser Justo.

[5] Economistas: Affonso Celso Pastore, Ana Carla Abrão, Armínio Fraga Neto, Bernard Appy, Edmar Lisboa Bacha, Elena Landau, Gustavo Jorge Laboissière Loyola, José, Roberto Mendonça de Barros, Maílson da Nóbrega, Marcos José Mendes, Nelson Henrique Barbosa Filho, Pérsio Arida, Samuel Pessôa e Sérgio Gobetti.

 

Saiba mais

Confira as outras análises do Pra Ser Justo para os programas de governo:

Jair Bolsonaro (PL)

Ciro Gomes (PDT)

Simone Tebet (MDB)

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