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Não ao puxadinho tributário: uma nota sobre a CBS

Não ao puxadinho tributário: uma nota sobre a CBS

Uma boa reforma tributária deve ser baseada em 7 pontos mínimos, mas apenas um deles está contemplado na proposta da CBS. 

O governo em acordo realizado com os presidentes da Câmara e Senado optaram recentemente pelo fatiamento da Reforma Tributária. Isso significa que:

– A Câmara ficará com o Projeto de Lei 3887/2020 que unifica apenas PIS/Cofins e cria a CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços); e

– O Senado será responsável pelo projeto de reforma ampla sobre o consumo que unifica PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, hoje previsto no relatório da Comissão Mista da Reforma Tributária, que unificou os textos das PECs 45 e 110.

No entanto, esse fatiamento é um risco para o sistema tributário brasileiro, já que as maiores chances são de que avance apenas a CBS, texto que está na Câmara e apresenta uma série de problemas. Além de não alterar os mais complexos e injustos tributos sobre o consumo, o ISS e o ICMS, gerando portanto um impacto pequeno para redução da complexidade, e não promover a redução de desigualdades; a adoção da CBS aumenta a carga tributária, prejudicando a retomada econômica após a crise causada pelo coronavírus, e reduz as possibilidades de realização de uma reforma ampla e sistêmica, por criar incompatibilidades entre os sistemas e aumentar os custos políticos de aprovação de novas mudanças.  

Por isso, não podemos chamar de reforma o que é apenas um puxadinho tributário que não resolve o problema.

Apenas uma reforma tributária ambiciosa, que englobe os tributos federais, estaduais e municipais, será capaz de pôr fim aos problemas e injustiças do nosso sistema tributário e alinhá-los às melhores práticas internacionais. Se há 30 anos a reforma fatiada já seria insuficiente para desatar o nó da tributação brasileira, a necessidade de uma reforma ampla foi ainda mais reforçada pela pandemia, a pior crise sanitária, econômica e social que o Brasil enfrenta no século.

Dessa forma, insistir na unificação da PIS/Cofins não é apenas perder uma oportunidade única de tornar a tributação mais simples, justa, transparente e alinhada às melhores práticas internacionais, é jogar fora as mais de 1000 horas de trabalho da Comissão Mista, que resultaram na publicação de um excelente relatório e que deveria servir de base para as próximas etapas de tramitação da reforma. Precisamos de uma reforma ampla sobre o consumo que mostre o compromisso com o futuro do Brasil, da população, das empresas e dos entes federativos.  

Por que a CBS (unificação da PIS/Cofins) não resolve o problema?

O Pra Ser Justo defende que uma boa reforma tributária deve ser baseada em 7 pontos mínimos.  No entanto, apenas um deles está contemplado no projeto de lei que propõe a criação da CBS, indicando como a proposta é insuficiente para resolver os  problemas da tributação sobre o consumo. Entenda os nossos 7 princípios e como a CBS endereça cada um deles:

1) Unificação dos tributos federais, estaduais e municipais sobre o consumo em um tributo sobre valor agregado de base ampla: a CBS não altera tributos estaduais e municipais. Isto é um problema à medida que o ICMS é o tributo mais complexo e com alto grau de litígio. Segundo pesquisa do Insper, o contencioso acumulado do ICMS é  136,2% maior que toda a arrecadação tributária feita em 2019 pelos 27 ICMS em vigência no país.  Outro problema é a segmentação entre o ICMS, cobrado sobre mercadorias, e o ISS, sobre serviços, que além de provocarem cumulatividade, onerando investimentos e exportações; é incompatível com a nova economia, na qual a separação entre mercadorias, serviços e intangíveis (como a cessão e licenciamento de direitos) tende a ser cada vez menos clara.

2) Adoção do crédito financeiro: a CBS prevê a adoção do crédito financeiro, como defendido pelo Pra Ser Justo.

3) Adoção do princípio do destino, com mecanismos que assegurem perdas mínimas e graduais para os estados e municípios mais impactados: por não alterar o ICMS e o ISS, a CBS não altera a o princípio da origem (cobrança dos tributos no local em que estão as empresas) para o destino (cobrança dos tributos onde as pessoas consomem). Além de destoar do padrão internacional, a tributação na origem impulsiona a Guerra Fiscal, prejudicial para todos, e amplia desigualdades regionais. Um estudo do IPEA indica que  a adoção a princípio do destino pode reduzir a diferença entre a maior e menor receita per capita de ICMS e ISS de 270 vezes para 6 vezes entre estados e municípios.

4) Existência mínima de benefícios fiscais (idealmente nenhum): a CBS extingue diversos benefícios fiscais, mantendo exceções como a Zona Franca de Manaus e o Simples Nacional, entre outras. Embora existam reservas em relação aos benefícios mantidos e, em especial à Zona Franca de Manaus, que poderia ser atualizada para trazer mais proveito para a região e maior eficiência sobre os recursos investidos, a redução de benefícios fiscais é bastante positiva. No entanto, por se tratar de lei ordinária,  a CBS não tem o poder de vedar a criação de novos benefícios. Dessa forma, há o risco de que os benefícios extintos sejam recriados e em pouco tempo se volte a enfrentar a complexidade e as distorções que esse instrumento cria em nosso sistema tributário.

Além da CBS, outro instrumento utilizado pelo governo para reduzir benefícios fiscais foi a PEC Emergencial, que instituiu que incentivos e benefícios tributários existentes devem ser reduzidos para no máximo 2% do PIB em 8 anos. Embora se trate de uma limitação robusta e positiva, observa-se que a regulamentação desse ponto tem sido realizada de forma desarticulada com a CBS, o que gera riscos de incompatibilidades ou contradições.

5) Existência do mínimo de alíquotas (idealmente apenas uma): a CBS prevê uma alíquota única, de 12%, resguardando como exceção a alíquota diferenciada para produtos da cesta básica. Entendemos que além de aumentar a complexidade, a garantia de tratamento diferenciado para a cesta básica não é a estratégia de gasto tributário mais eficaz para redução de desigualdades por não ser focalizada nas populações mais vulneráveis, como detalhamos no ponto 7.

Além disso, o governo já afirmou a possibilidade de mudança do projeto para propor alíquotas diferenciadas (veja reportagem do Valor). A adoção de alíquotas diferenciadas para produtos e serviços é um dos maiores fatores para a complexidade e ineficiência do sistema atual, que prejudica o surgimento de empresas inovadoras e modelos de negócio mais competitivos. Além disso, essa divisão aumenta a desigualdade,  já que ricos consomem mais serviços, que pagam menos tributos, enquanto os pobres consomem mais produtos, que têm carga mais elevada. A unificação das alíquotas poderia reduzir a tributação para os 10% mais pobres e aumentar para os 10% mais ricos, segundo o IPEA.

6) Justiça social e redução de desigualdades, especialmente via mecanismo de devolução dos tributos para pessoas de menor renda: a CBS mantém mecanismos antiquados de redução de desigualdades e não prevê a adoção do IBS-Personalizado, mecanismo de devolução para as famílias de baixa renda dos tributos pagos sobre tudo o que consomem. De acordo com estudos do Ministério da Fazenda, esse mecanismo é 12x mais eficiente na redução de desigualdades que as isenções hoje vigentes sobre produtos básicos.

7) Manutenção da carga tributária: a alíquota de 12% prevista para a CBS representa um aumento de carga tributária, sendo a alíquota neutra de aproximadamente 10%, como apontam as estimativas do Observatório da FGV. Esse aumento também irá ocorrer de forma abrupta,  o que prejudica a recuperação dos setores econômicos e pode impulsionar ainda mais a inflação (Valor). As propostas de reforma ampla sobre o consumo (PECs 45 e 110 e relatório da Comissão Mista) preveem um mecanismo transparente de definição da alíquota do novo tributo, limitado pela arrecadação e que garante o compromisso com a manutenção da carga tributária .

Resistências à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): 

Por ser insuficiente para resolver os principais problemas do sistema tributário,  aumentar a carga e a inflação, não combater a desigualdade e gerar incompatibilidades entre sistemas que dificultam a realização de uma reforma tributária ampla no futuro, a CBS tem sido criticada pela sociedade civil, empresas e parlamentares. 

Estados e municípios, representados pelo Comsefaz e pela CNM, já se pronunciaram a favor de uma reforma tributária ampla e contra o fatiamento em carta aberta, assim como outras organizações da sociedade civil que atuam no tema, como o CCiF, o Pra Ser Justo, o Destrava Brasil, a Febrafite e a Fenafim.  Um manifesto semelhante foi divulgado por 48 associações representantes dos setores econômicos, dentre elas a CNI.  O relatório da Comissão Mista apaziguou diversas demandas setoriais e conquistou apoios para reforma tributária ampla, ao passo que a CBS tem mais resistência setorial e não avançou na negociação com os setores produtivos e os entes federativos. 

No Congresso, também nota-se resistência à unificação de PIS/Cofins. Em placar elaborado pela Arquimedes E Pra Ser Justo, 42% dos deputados e 60% dos senadores já se pronunciaram nas suas redes a favor da reforma tributária. Por outro lado, quando olhamos para a proposta do governo, na Câmara apenas 14% se posicionaram favoráveis, enquanto 22% falaram contra o texto, e no Senado 15% são contrários, enquanto somente 20% o defendem. 

Pra Ser Justo defende:

A unificação do PIS/Cofins em uma CBS é mais um puxadinho tributário entre os muitos que foram tentados nos últimos 30 anos e que resultaram no sistema injusto e complexo sobre o consumo que adotamos hoje. Insistir nela é perder uma oportunidade única de tornar o país mais desenvolvido e menos desigual. O caminho para um sistema tributário mais simples, transparente e justo passa por uma reforma ampla sobre consumo, que unifique os tributos federais, estaduais e municipais em um único imposto sobre o valor agregado, nos moldes propostos pelo relatório da Comissão Mista. 

Para aprofundar no debate:

– Renata Mendes para o Estadão: Reforma fatiada é mesmo a reforma possível? 

– Estadão: Fatiamento é ineficaz e deve prejudicar a reforma tributária, dizem especialistas 

– Baleia Rossi para Folha de S.Paulo: Paulo Guedes e o Negacionismo Tributário 

– Aguinaldo Ribeiro para o Estadão: “Guedes quer aumentar imposto com a CPMF”, diz o relator da reforma tributária 

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